domingo, 13 de março de 2022

A guerra: a partir de quatro lições de Clarice Lispector

                                Anderson Manuel de Araújo (Mestre em Filosofia pela UFMG)

Depois de longos meses convivendo com a pandemia da Covid-19, fomos avisados da iminência de um ataque russo à Ucrânia. E assim como o alerta sobre a Covid-19 ainda no fim do ano de 2019 nos deixou um tanto quanto incrédulos, o mesmo ocorreu com a notícia sobre a guerra. O cotidiano nos embaraça, nos atropela; e as notícias nos anestesiam. Já a guerra nos causa um espanto que se, permanente, também nos levará ao anestesiamento da dor, da tristeza e da nossa capacidade de sermos solidários, seja na ajuda efetiva ao outro ou até mesmo na nossa capacidade de rezar e orar pelos outros.

A ucraniana, Clarice Lispector, que chegou no Brasil ainda bebê, escreveu  de modo intenso e forte sobre a vida. E em sua perspectiva, a vida será sempre tal como aparece diante dos olhos de uma criança: inédita, cheia de surpresas, causando-lhe espanto, estranheza, mas também admiração e encantamento.

Se recebemos a notícia da possibilidade de um ataque russo à Ucrânia, com desconfiança, foi porque em pleno século XXI acreditávamos que a humanidade, sobretudo "pós Covid", já estaria madura para discutir suas diferenças, preferências e escolhas de modo diplomático, utilizando-se principalmente da palavra, falada e escrita, para preservar a paz, mesmo quando pensamos de modo diferente. Afinal de contas, aprendemos com a quarentena que não queremos viver isolados; queremos encontros, apertos de mão e abraços. 

Mas da Ucrânia chegam imagens de ataques covardes. Quanto espanto, quanta indignação diante dessas imagens: hospitais, lares de idosos e famílias sendo destruídos em segundos, enquanto levam-se anos na construção de lares, famílias, nações, da história de quem somos e de onde viemos. 

Para Clarice, "cada homem é responsável pelo mundo inteiro". Onde erramos? Onde falhamos? Por que ainda escolhemos e permitimos que nossos algozes definam a agenda mundial? Por que ainda os aplaudimos e lhes fazemos continência? 

Vemos  na história antiga o surgimento do aperto de mão como um gesto que revela estarem as duas pessoas desarmadas e dispostas a conviverem e coexistirem sem armas e sem trapaças; em outros termos, dispostas a sentarem à mesa e "negociarem". Mostrar as mãos livres e conversar como alguém que se sente responsável pelo mundo inteiro! Fato comprovado em todos os pontos do planeta: a guerra em si mesma, e também sanções, restrições e sofrimentos impostos a um país, afetam qualquer ponto do planeta; sim, cada homem é responsável pelo mundo inteiro!

Se somos responsáveis pelo mundo inteiro como nos ensina a ucraniana naturalizada brasileira, somos também capazes de moralidade - esta sensação de que deveríamos ter feito o bem e não o mal - e que de modo kantiano deveríamos ser provocados naturalmente pelo dever de fazer o bem a tal ponto que, se não o fizéssemos, nos sentiríamos culpados! O que dizer de quem lança mísseis e bombas em maternidades e em lares de qualquer nação? O que esperar de quem não tem capacidade de moralidade, do sentimento de culpa? 

Do ponto de vista das relações de poder, como podemos considerar diplomaticamente a relação de poder que há entre as nações? Toda relação de poder precisa levar em consideração a coexistência de valores, crenças e liberdades. Mas na raiz dessa guerra, há a supremacia de um dos lados, de apenas um desejo, de uma crença, de apenas um povo; não havendo, portanto, espaço para a coexistência.

As imagens da guerra vêm com as suas narrativas: da maternidade destruída ao bunker lotado de mulheres e crianças abraçadas, parecendo ser o abraço o último recurso para se sentirem protegidas, seguras. Cães e gatos em mochilas, nas costas daqueles que ainda tiveram condições físicas de transportá-los. Relações de amor e de afeto interrompidas por relações incompetentes e imorais de poder. Para a nossa brasileira nascida na Ucrânia, na relação entre cães e pessoas, engana-se quem julga "ter tido um cão", pois, na verdade, "um cão que teve a pessoa". Estendemos o sentido para todos os abrigos, de pessoas e animais, para constatarmos com o coração rasgado: "essas pessoas e esses cães tiveram pessoas e não as têm mais". Mais um dia de guerra, é também mais um dia de muitas perdas. 

Apesar disso, encontramos também em Clarice Lispector uma lição: "O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma". Se somos responsáveis pelo mundo inteiro, devemos começar pelo fortalecimento da humanidade em cada um de nós: o afeto, o abraço, ser capaz de estender a mão em direção ao outro; sorrir e olhar nos olhos ao invés de dar as costas. Não desistir de si mesmo implica acreditar que há em cada um de nós a potência para a realização de todas as coisas. E que, ironicamente, ainda podemos escolher o que vamos propagar, o amor ou o ódio, a alegria ou a tristeza. Seremos imorais ou morais? Vamos desistir de nós mesmos? 

Se não desistimos de nós mesmos, também não desistiremos do outro. Coexistir se tornou ainda mais caro no mundo que convive hoje também com a Covid-19. O quanto cada um está disposto a investir na coexistência pacífica e solidária vai definir o tempo que teremos para viver as relações não apenas de poder, mas também de "amor e afeto", com a natureza e com os outros. Que os encontros continuem sendo marcados por apertos de mão, denotando com isso, a ausência de armas nas mãos. Se estamos lutando pela paz, ainda estamos engatinhando como humanidade, pois um povo que precisa pedir e até mesmo lutar pela liberdade, não tem autonomia e tão pouco condições de viver a vida de forma plena. Parafraseando Clarice, liberdade é pouco, o que desejamos ainda não tem nome. E o que desejamos? comida, afeto, prazer, paz, alegria, saúde, amor... 

Assim, aprendemos com Clarice que: I) cada homem é responsável pelo mundo todo, em todas as perspectivas: ecológicas, morais, econômicas, sociais e políticas; II) o afeto, a sensação de pertencimento a alguém, seja do ponto de vista do homem ou de um cão, revela a vulnerabilidade da posse, do "ter", sobretudo quando experimentamos a experiência da perda; III) desistir de si mesmo é tão imoral quanto se omitir, se dessa desistência e dessa omissão, deixarmos de lado o nosso potencial de ser um motor da paz, do amor e da esperança no mundo; IV) como seres humanos, sendo nossas ações carregadas de sentidos e significados, desejar a liberdade para uma pessoa ou para uma nação ainda é pouco, pois como seres desejantes, desejamos mais: pão, mas também sentido; paz, mas também amor. 

sábado, 16 de janeiro de 2021

Cooperar, além de ser belo, é também vantajoso

Anderson Manuel de Araújo
Mestre em Filosofia pela UFMG

Observa-se que muitas pessoas, mesmo antes da pandemia do novo corona vírus, lidam de modo desmedido, ou desproporcional e se quisermos, injusto, em relação ao que esperam dos outros e ao que estão dispostas a fazer em relação aos outros, sobretudo no que diz respeito à capacidade de fazer o bem, cooperar, de propiciar o bem estar, de ser gentil, cordial e de ter compaixão. Tais palavras não são tratadas aqui como sinônimas, mas dependendo do ponto de vista do argumentador, ou do leitor, são estas palavras que as pessoas mais recorrem quando há na ação e na reação dos outros a "falta" de uma prática benevolente, seja no contexto religioso, corporativo, jurídico ou familiar.

Nota-se, sobretudo no ambiente corporativo, certo tipo de egoísmo: a incapacidade de pensar que o outro também tem o direito de não estar sempre disponível, e em tempos de home office ou teletrabalho, o óbvio direito de não estar o dia inteiro disponível, mesmo "remotamente". Este egoísmo pode revelar pelo menos duas características da pessoa: ou a pessoa tem pouca reflexão sobre si mesma e sobre o mundo, ou o seu olhar está voltado exageradamente para si mesma. Esta segunda característica, que nos parece ser mais frequente, revela um sujeito sem pudores, e, poderíamos dizer, "sem vergonha", que, indisponível quase sempre, demanda do outro atendimento exclusivo a qualquer momento e hora do dia.

Erram os egoístas. Igualmente erram aqueles que, por causa dos egoístas, deixam de ser gentis, cordiais, solícitos e compassivos. A torcida dos que insistem em ser cordiais é para que em um determinado momento da vida, o egoísta tenha a capacidade de parar de olhar para o espelho que reflete somente a si mesmo e olhe com estranheza e até incômodo para o "outro". Ao egoísta falta o olhar de estranheza porque vive mergulhado em seu próprio ego. 

Vivemos a cultura do "cancelamento". Aprendemos com as redes sociais a "bloquear" e a excluir as pessoas. Aprendemos a tratar com indiferença e ficar "off-line", e algumas vezes até "invisível". Se nas redes sociais lidamos com "status" e "perfis" de pessoas, que é o mundo real numa realidade virtual, no chamado mundo real lidamos diretamente com as pessoas e não com avatares ou perfis, e estas pessoas não podem ser nem bloqueadas nem excluídas. A cultura do "cancelamento" é a marca de uma sociedade infantilizada, egoísta e intolerante. "Cancelamos" a TV, o jornal e o jornalista, o amigo, o parente, o artista e até mesmo uma marca, porque os representantes ou criadores dessa marca pensam de modo diferente do nosso modo de pensar. "Cancelar" pessoas passa pelo esforço em não mais encontrá-las, de não dar qualquer credibilidade às suas palavras ou atitudes e aos seus trabalhos que, independentemente das suas ideias, têm qualidade e merecem o respeito. 

Respeitar o direito do outro de pensar diferente é marca da diplomacia e do Estado Democrático de Direito. Entretanto, temas que comprovadamente configurarem como mentiras e informações falsas, devem ser amplamente combatidos por todos; principalmente quando o assunto servir de potencial combustível para ações violentas e de discriminação, e colocarem em risco a saúde das pessoas. Por outro lado, dizer a verdade, não pode ser motivo de "cancelamento", muito menos de ataques à imagem das pessoas, seja nas redes sociais ou em outros espaços. Enquanto o debate sobre o direito dos outros de espalharem mentira e ódio cresce, esquecemo-nos do que deveria ser defendido, uma vez que somos seres racionais e nos beneficiamos desde que nascemos, de pesquisas científicas: a verdade científica não nasce de achismos, suposições e conspirações, mas de conjecturas e refutações, enfim, de juízos submetidos à experiência.  

Neste contexto, pode-se abordar o tema da vacinação em geral no combate a doenças, e mais especificamente, a vacinação contra a Covid-19. O debate sobre a vacinação produz duas situações que merecem ser analisadas. Importante destacar que esta análise não se propõe a fazer juízos morais e não toca sobre a responsabilidade imputada ao chefe de uma nação.  A primeira situação, diz respeito ao que estamos caracterizando como "cultura do cancelamento". Em geral, os dois pontos de vista, a favor e contra à vacinação, são igualmente intolerantes quanto ao direito do outro de pensar diferente. Ambos acabam incorrendo no erro do "cancelamento" do outro que pensa diferente: bloqueios e ofensas virtuais, exclusão e saídas de grupos, não antes, claro, de algumas palavras que, independentemente da causa defendida, acabam ferindo e extrapolando a linha da racionalidade. 

Já a segunda situação em relação à vacinação que merece ser analisada, confiando, é claro, na ciência, é o tema da cooperação. E, categoricamente, podemos afirmar: sem a nossa "fé" na ciência não faríamos quase nada. Mesmo errando, a ciência, avança. Teorias imunes ao erro seriam mitos e não ciências, como se pode aprender com o filósofo da ciência, Karl Popper. Uma boa teoria científica deve ser testada diversas vezes e merece a credibilidade enquanto resistir à experiência.  Pensando de modo cooperativo e inteligente, e a partir da perspectiva da empregabilidade e do lucro, vacinar quase toda a população beneficiaria qualquer cidade, estado ou país. Pois a vacinação é o que, segundo especialistas da medicina, asseguraria a sobrevivência de muitas pessoas, garantindo  o retorno seguro de escolas, empresas, fábricas e indústrias, o que inevitavelmente, além de evitar mais gastos com tratamentos e internações, colocaria em funcionamento pleno todas as atividades econômicas e comerciais, produzindo investimento e lucro às cidades, aos estados e ao país.

O que muitos ainda não entenderam é que cooperar é sempre melhor, não apenas para aqueles que recebem diretamente algum tipo de benefício, ajuda, apoio ou suporte. Mas porque além de ser belo, faz chorar até o homem mais materialista e ateu, é também "vantajoso". Sim, cooperar é vantajoso! A cooperação é vantajosa para uma sociedade marcada pela competitividade, pelo consumismo e pela busca do lucro. Proporcionar meios de qualificação de mão de obra, por exemplo, produz, além de mão de obra qualificada, potenciais consumidores e pessoas em condição de cuidar da sua própria alimentação, da sua saúde e ainda, de pagar impostos. 

Na mesma direção pode-se constatar que viver em paz gera mais lucro do que viver em situação de guerra. Logo, acordos pela paz são em geral menos onerosos para um país, além de, é claro, pouparem vidas. O que se gasta com a construção de rede de esgoto em uma cidade é muito menor do que  com o tratamento dessas pessoas em todas as dimensões, sobretudo a longo prazo, que ficam doentes e acabam indo parar em hospitais, crianças com baixos rendimentos escolares, e adultos com baixa autoestima, alguns deles com depressão, e outros, que acabam se entregando a todo tipo de drogas e se envolvendo com situações de violência que os colocam em posição de maior vulnerabilidade. 

Portanto, cooperar é agir também com "inteligência". Enquanto alguns têm atitudes benevolentes tendo como única finalidade o próprio bem, há outras que praticam tais ações pensando no bem estar social e até no retorno imediato para si mesmos e para sua própria geração. Neste caso, não estaríamos diante de uma forma de "egoísmo", já que a finalidade da ação é outra? O egoísmo é, a rigor, essencialmente tolo e desprovido de inteligência. A prática cooperativa que busca também o retorno de um bem para si mesma é, antes de qualquer coisa, a expressão da necessidade de conviver para viver, de ser junto para ser também "sozinho", é compreender que para sobreviver é melhor coexistir, pois além de solidário, é também vantajoso. 

A equação que utiliza a cooperação como elemento pode produzir a bondade e a caridade, mas também a vantagem, o bem estar geral, a saúde, e consequentemente, uma sociedade justa, melhor, e próspera. Dos pontos de vista moral, jurídico e religioso, cooperar é inegavelmente belo e admirável. Já para as perspectivas econômica e política, cooperar é vantajoso para todos, gera lucros, produz uma sociedade rica, harmoniosa e feliz. No mundo corporativo a expectativa principal que se tem em relação a qualquer colaborador ou funcionário, é a de que seja cordial, gentil e cooperador. 

Deixar de olhar para o espelho e olhar para "fora" é o início de uma postura empática em relação aos outros. Cooperar é ser capaz de ter empatia. Por que somente o outro deve atender a todas as suas demandas e relevar todos os seus contextos, sem julgar você? A cooperação, antes de ser decreto, produz o decreto; e se a letra mata, o egoísmo aborta, enluta famílias, equipes, cidades e empresas, causando atrasos em quaisquer processos de evolução e de crescimento familiar, empresarial e, especialmente em uma nação.
 
 

domingo, 13 de setembro de 2020

Sobre envelhecer e ser jovem

Anderson Manuel de Araújo

É atribuído ao filósofo Arthur Schopenhauer o pensamento: "Os primeiros quarenta anos da vida nos dão o texto e os trinta seguintes, o comentário". Desse pensamento podemos refletir sobre alguns aspectos. Inferimos que os primeiros quarenta anos da nossa vida seriam dedicados à aprendizagem.  Já nos outros trinta anos de vida teríamos condições de já tecer comentários, isso é claro, se e somente se, tivermos aprendido as lições das primeiras quatro décadas de vida.

É claro que não deveríamos fazer uma leitura literal do pensamento. Há lições que muitas jovens aprenderam e que muitas pessoas de sessenta ou de oitenta morreram sem tê-las aprendido. O fato é que se leva muito tempo para aprender algumas lições. Porém, aquele que estiver em condições de proferir tal sentença, também já estará na posição de afirmar que o tempo “passa muito rápido” e que gostaria de ter algumas oportunidades para ter outra sensação dos primeiros quarenta anos de vida. Nota-se o drama de chegar aos quarenta anos de vida: estar de posse das principais lições em mãos por já ter vivido algumas décadas e não usufruir do mesmo “tempo”, do mesmo “espaço” e mesmo “corpo” de que usufruíra no passado.

Apesar disso, é comum ouvirmos pessoas graduadas e que já estariam nesta pós-graduação da vida, afirmarem que não trocariam o momento em que se encontram, seja aos 45, 50 ou 60 pelos momentos dos seus 18, 20 ou 25 anos.  

Na juventude há muita beleza e tempo para lidar com o que não nos acostumamos e denominamos de “feio”. Há também necessidade de conhecer muitas pessoas e com elas viver todo o resto da vida. Há muitas paixões e também muitas dores e incompreensões, consigo mesmo, com o outro, o mundo e Deus. Nestes primeiros anos, há muita vontade de mudar o mundo, fazer a revolução e também justiça. Nestes anos, ou você pensou em ficar milionário ou pensou em viver uma vida sem que dinheiro, poder e bens tomassem conta de você. Pouco tempo de vida para oscilar entre dois ideais: capitalista e altruísta.

Aos 20 anos inicia-se uma corrida quase que sem reflexão em busca da realização dos sonhos. Estudar e trabalhar, participar de reuniões, congressos e eventos que alimentam crenças. Sem saber, aos vinte anos, tem-se apenas 10 anos para concretização das escolhas, estabelecer-se e abrir a porta “certa”, sendo que esta porta ou será facilitadora ou criará obstáculos ao longo do caminho a ser trilhado.  

Mais uma vez, dramaticamente pensando, não há como ter um conhecimento certo e seguro sobre a escolha que se faz aos vinte anos. E na mesma direção, os quarenta anos não garantem que se a escolha tivesse sido outra aos vinte, as conquistas e lições do caminho teriam sido mais exitosas e felizes. Pois o drama se intensifica quando o ser humano compreende que só houve "lição" porque percorrera um caminho e não outro; sem este percurso não haveria estas lições. Constatar o drama revela esta fatalidade do “existir”, mas produz “alívio” na existência.

Um olhar afirmativo sobre a existência é capaz de reinventar-se, curar-se. Há tanta busca pela cura das dores da alma. Aquelas dores provocadas por frustrações, derrotas, decepções e “distâncias”. Olhar afirmativamente para os próximos anos da vida é conseguir superar todas estas desditas e continuar a viver apesar de tudo que fora deixado para trás ou que não fora cumprido.

É fato que compreendemos a “juventude” como aquele espaço de tempo no qual há muito vigor, disposição, muitos sonhos e aquela vontade sobrenatural de fazer a revolução no mundo; ou pelo menos vontade de participar dela. Entretanto, a reconciliação consigo ocorre quando este conceito de “juventude” é reconstruído e ocorre uma mudança de perspectivas. Ser “jovem” deixa de ser visto apenas como manifestação de vigor físico, e passa a ser compreendido como uma postura marcada pela capacidade de estabelecer para si mesmo novas metas, novos sonhos e principalmente, pela quantidade de “esperança” que há dentro de si, em relação a si mesmo, e bem menos em relação aos outros.

O envelhecimento ocorre definitivamente quando há a morte total da esperança. Por isso há tantos jovens “velhos” e muitos velhos “jovens”. 

Esperar algo do outro é saudável, mas há muitas chances de frustração. Já esperar algo de si mesmo é o mesmo que alimentar constantemente uma fogueira e jamais deixá-la apagar, mesmo que situações, pessoas e o tempo insistam vez ou outra, em jogar água nesta fogueira; é o esforço para mantê-la acesa que nos mantém com aquela jovialidade tão desejável.

A vida é um texto cheio de comentários, rasuras, aspas, parênteses. Os primeiros quarenta anos são marcados tanto por interrogações quanto por certezas. Os demais possuem mais exclamações, mas também mais dúvidas. Se havia tantas certezas, havia a disposição para a revolução. Nos outros trinta anos seguintes as certezas dão lugar às máximas, às lições e às citações que reproduzem um tempo “vivido” no passado e não um tempo a ser “vivido” no futuro.  Por isso, pode-se dizer que há certezas que produzem falsas seguranças. E há dúvidas que podem parecer desestabilizar, mas que na verdade possibilitam a conquista do que chamamos de “sabedoria”.

Se não há mais o desejo de revolução, na idade posterior aos quarenta deve haver o desejo de evolução. A busca abrupta, muitas vezes irrefletida e precoce pelas mudanças dá lugar à caminhada mais consciente dos limites, e sobretudo do “tempo” que há para cada coisa. Não se trata de perder a vontade de mudar e de fazer parte da própria mudança. Trata-se de desejar mais do que nunca a mudança, mas de modo natural, e por "natural" entende-se aqui um transcorrer de coisas e acontecimentos tal qual a natureza: assim como o plantio de qualquer semente exige o cuidado e o tempo, é sinal de evolução ter a consciência de que há mudanças que precisam de cuidado e de “tempo” para acontecerem.

Por fim, estar em condições de tecer os comentários sobre a vida é ter uma forma de esperança, serena e sábia e dizer como o filósofo Nietzsche: “da enfermidade da grave suspeita voltamos renascidos, de pele mudada, mais suscetíveis, mais maldosos, com gosto mais sutil para a alegria, com língua mais delicada para todas as coisas boas, com sentidos mais risonhos, com uma segunda, mais perigosa inocência na alegria, ao mesmo tempo mais infantis e cem vezes mais refinados do que jamais fôramos antes.”


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Amigos são pontes

Anderson Manuel de Araújo

Há uma diversidade de flores e animais, e das flores pode-se dizer que há milhares de rosas iguais por exemplo. Entre os animais, percebe-se no mesmo sentido também dezenas de milhares de cães iguais. Entretanto o que torna o seu cão especial é o tempo que você dedicou a ele! Para o seu cão, você é a melhor pessoa de todo o universo, pois é você que brinca com ele, que o alimenta, enfim, que cuida dele. Duas imagens iluminam a nossa mente quando se fala em amizade: a primeira e mais perfeita está presente na obra de Exupéry "O Pequeno Príncipe", e a segunda faz parte do cotidiano da maioria de nós: a imagem dos cães!

Em "O Pequeno Príncipe" lemos a história de uma criança que em suas viagens ensina e aprende várias coisas, e uma delas é o valor da amizade. O menino tem uma rosa em seu pequeno planeta. Durante suas viagens ele não apenas descobre, mas sente em seu coração que o tempo que gastou, cuidando da sua rosa a tornou "única", "especial". Dedicar-se a uma coisa, faz dela valiosa, cara e significativa. O menino aprende também que distanciar-se do que lhe é caro, causa o que chamamos de saudade e descreve bem o que sentimos quando sofremos da espera e da arrumação para o encontro com aqueles que amamos: o sentimento de alegria nos invade já às nove horas se o nosso encontro está marcado para dez horas. 

A palavra "philia" é a palavra grega que expressa a natureza do amor existente entre amigos.  Este amor revela que a solidão não convém ao ser humano. É o amor entre aqueles que têm prazer em compartilhar não apenas a felicidade, o pão e as vitórias, mas também o laço que permite compartilhar a dor, a tristeza e as derrotas. O filósofo Aristóteles descreve bem este tipo de amor entre os homens em seu livro "A ética a Nicômaco", caracterizando a amizade como partilha entre os homens: não apenas a partilha de sentimentos, mas também de riqueza e sabedoria! Neste aspecto, a amizade nos diferencia dos animais de rebanho. Enquanto ela nos torna únicos e também produz a cooperação já que o amigo se esforça para fazer com que os melhores sentimentos e as melhores coisas façam parte da vida do outro; no bando por sua vez, não existe a cooperação, mas uma vivência de iguais conduzidos por alguém. 

Na Bíblia, lemos no livro Eclesiástico (6,14-17) que quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro. A rosa precisa de cuidados. Para cuidarmos dela de que precisamos? Tempo para molhar, tempo para podar, tempo para espantar os insetos. Já o tesouro de que precisa? De um lugar para ser até mesmo "escondido" porque todo tesouro precisa de proteção. Assim, seja a rosa ou o amigo, ambos exigem cuidado, atenção, investimento de tempo e energia e também de proteção.

Os nossos amigos nos protegem, cuidam de nós. Eles têm ou tiveram a visão do bem e porque o viram, o desejam também para nós, querem portanto compartilhá-lo conosco. Aprendemos justamente isso quando o jovem Christopher McCandless declara já no fim da vida durante a sua grande viagem ao Alaska: "Felicidade só é real quando é compartilhada". 

Tempo e espaço. Toda amizade precisa de tempo e de espaço para ser cultivada. O tempo nos revela aqueles que realmente merecem o nome de "amigo". Todos os testes pelos quais passa uma relação dependem do tempo. Tempo suficiente para sorrir juntos, brincar juntos, discordar juntos, e também; chorar juntos. Uma amizade sem estes testes corre o risco de se quebrar porque não passou pelo fogo do tempo. A amizade precisa de "espaço" seja no sentido de lugar para ser cultivada ou mesmo "volume", extensão e também distância. Desejamos ter os amigos sempre por perto. Mas o verdadeiro amigo sabe que toda amizade precisa de espaço. O espaço permite crescimento, descobertas e também o desenvolvimento da saudade. "Conceder" espaço ao amigo é a manifestação de respeito pela amizade. E a maturidade nos ensina que sem saudade não há amizade que resista. 

Os cães compõem a literatura e o cinema quando o assunto é a amizade. Pois revelam de modo perfeito o que chamamos de fidelidade. Assim, nota-se com facilidade que cães, sejam eles protegidos e cuidados por pessoas pobres ou ricas, alimentados com restos, uma boa ração ou também com carne, são inequivocamente fiéis aos seus tutores. Vemos inclusive os cães acompanharem com nobre fidelidade os homens que moram nas ruas. Não é difícil encontrar no centro da cidade um cachorro desfilando na faixa de pedestre com altivez seguindo o seu dono, um "morador de rua" que atravessa empurrando um carrinho de material reciclável. Nossos cães manifestam alegria quando chegamos em casa seja porque ficamos fora durante um dia inteiro e com o mesmo grau de intensidade nos recepcionam quando ficamos fora de casa por tão somente duas horas. Assim também são os nossos amigos que nos recebem com alegria e honras independente do nosso estado de espírito: com fracasso ou com conquistas, não interessa, somos acolhidos como únicos, como um verdadeiro tesouro.

Nossa sociedade construiu muros demais. Precisamos construir pontes para não sermos solitários, nos ensina também o autor de "O Pequeno Príncipe". A amizade é a ponte que nos impede de sermos ilhas. Hoje manifesto a minha gratidão e a minha homenagem a todos os amigos que não me permitem ser uma ilha, mesmo depois de ter havido tantos naufrágios. E peço perdão ao amigo que no "correr da vida" não fui capaz de percebê-lo como náufrago. Concluindo, cito o poema, também canção do compositor Oswaldo Montenegro com o desejo de que todos tenham a oportunidade de ter pelo menos um grande amigo: 

"Ilha não é só um pedaço de terra cercado de água por tudo quanto é lado.
Ilha é qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente.
Por exemplo: um garoto tímido, abandonado pelos amigos no recreio, é uma ilha.
Um velho que esperou a visita dos netos no Natal
e não apareceu ninguém, é uma ilha. 
Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram, é uma ilha.
Até a lágrima é uma ilha, deslizando no oceano da cara".



domingo, 5 de julho de 2020

Os ciclos da vida e a necessidade de determinar novos pesos


Anderson Manuel de Araújo
Pode-se fazer uma leitura da história de cada pessoa a partir dos ciclos que ela vivencia durante certos períodos da vida. Um ciclo nada mais é do que um espaço de tempo marcado principalmente por uma ocorrência regular de alguns fatos, sentimentos ou fenômenos. Fala-se em ciclos da natureza, por exemplo: temporadas de chuva, frio, calor ou de flores. Assim, nada nos impede de ler a vida humana a partir dos seus ciclos. E se formos olhar a nossa própria vida ou daquelas pessoas que nos são mais íntimas, notaremos as marcas de diversos ciclos: de nascimento, aprendizagem, descobertas, amor, dor, crescimento e também de luto e morte. 

Tão importante quanto iniciar um novo ciclo é saber "fechar" ou "concluir" um ciclo. Antes de tudo, é necessário saber ler, saber compreender onde estamos e, consequentemente para onde estamos indo. Onde estamos? Certamente o que chamamos de "coração" vai ser capaz de nos dizer: se estamos realizando desejos ou se estamos a caminho de realizá-los. Ou então, será que estamos tão perdidos a ponto de não podermos dizer "onde estamos"? Saber que não estamos onde deveríamos estar, já é bastante revelador. Pois este saber já nos incomoda e nos incita a sair desse "lugar nenhum". 

Há adultos que se comportam não como crianças, mas de modo infantil. Uma infância atropelada ou talvez ainda pior, uma infância nunca superada, pode produzir adultos pouco capazes de lidar com regras, responsabilidades e interdições. É como se estivessem sempre jogando, querendo desafiar o pai ou a mãe, pretendendo ver até onde seus desejos podem ir. Neste caso, parecem viver a repetição do mesmo ciclo, uma insistência para permanecerem em uma fase da vida. Como este "tipo" de adulto nos incomoda...

É necessário coragem para viver os ciclos. Coragem para deixar morrer tudo o que não é mais, deixar morrer o que já passou. Deixar morrer e ter a capacidade de se munir de artifícios e estratégias para a vivência de uma nova temporada. Não abandonar a infância, nos torna infantis. Não viver a juventude, nos torna carrancudos. Não aceitar a maturidade nos torna adolescentes. Crianças são agradáveis, alegres e nos fazem felizes. Adolescentes são provocadores, protestantes por natureza, nos incomodam e exigem de nós uma formação "continuada". Entretanto, adultos que não deixaram de adolescer são desagradáveis e inconvenientes. 

Há fases da vida que demandam muita energia e nos levam a colocar na balança tudo o que escolhemos, o que estamos fazendo e o que iremos fazer. Por isso, há momentos que devemos parar e fazer o que o filósofo Nietzsche propõe: determinar novamente o peso de todas as coisas! Ou seja, é o momento de colocar na balança palavras, sentimentos, escolhas, e não apenas o que recebemos, mas o que também doamos em determinados experiências. Só assim é possível verificar se há razões para continuar ou para terminar o que estamos fazendo. A partir desse momento poderemos chegar à conclusão de que há coisas que não merecem mais a nossa dedicação, a nossa atenção e o investimento de nossa energia. Ou então, pode ser que coisas e pessoas podem continuar merecendo tudo isso, mas não tanto, e descobrimos que podemos investir menos tempo, menos preocupação, menos atenção e carinho. 

Determinar os pesos das coisas deve ser uma tarefa para cada ciclo, seja para tentarmos classificar seus inícios e términos, ou para avaliar se estamos caminhando bem, se ainda é primavera quando já deveria ser inverno. E este "deveria" é por assim dizer, "mortal". Pois nem todos terão a leveza ou humor na descoberta de que há coisas que já "deveriam" ter sido superadas e vencidas. De repente, descobre-se que carregamos uma carga desnecessária ou um monte de coisas que já não nos servem mais. Além da carga, enfrentamos a falta de espaço, de ar, de sopro, de vida.

Há dores que nos parecem experiências de "quase" afogamento, pois nos fazem perder o ar, o fôlego e o impulso. Há alegrias que nos embriagam e são capazes de nos fazer esquecer de tudo o que já experimentamos de trágico na vida. Entretanto, não se trata de interpretar a vida de modo dualista, não se pode pensar a vida como amor ou dor, alegria ou tristeza, nascimento ou morte. Pois há vida na morte e há morte na vida. Há alegrias que nascem da dor e na dor. Os ciclos, sejam eles de descoberta, nascimento, crescimento ou de morte comportam em si todas as emoções da vida. Por este motivo, jamais deveríamos sabotar quaisquer ciclos ou querer morar em determinados ciclos. Pode ser que a morte "definitiva" seja justamente a nossa incapacidade de aceitar a mudança de "fase" ou de ciclo.

Termino citando um trecho de uma carta do poeta Rilke: 

"Jamais devemos nos desesperar ao perder alguma coisa, seja uma pessoa, uma alegria ou uma felicidade; tudo retorna ainda mais magnífico. O que deve cair, cai; o que nos pertence permanece conosco, pois tudo ocorre segundo leis que são maiores do que nossa compreensão e com as quais estamos em contradição apenas aparentemente. Devemos viver em nós mesmos e pensar na vida inteira, em todos seus milhões de possibilidades, vastidões e futuros, diante dos quais não há nada de passado e perdido". 

sábado, 25 de abril de 2020

Nem toda casa é um lar

"A vida é o que acontece enquanto você faz outros planos". John Lennon

Anderson Manuel de Araújo

O isolamento social em tempos de corona vírus é capaz de nos proporcionar infinitas sensações. Isolar-se em casa, situação imposta a profissionais que não exercem atividades "essenciais" faz com que cada pessoa mergulhe dentro de si e visite com mais frequência o seu próprio passado, suas escolhas e estradas percorridas até o presente. Uma sociedade habituada a falar, fazer, construir, agir e reagir foi obrigada a calar, parar, pensar e refletir sobre si mesma. Muitas descobertas, dentre elas a de que nem toda casa é um lar. Além disso, mais do que nunca, tornou-se fundamental saber dominar ou se quisermos, "adestrar" o sentimento de medo. E mais desafios também nos foram impostos: as tarefas domésticas! Tudo isso não será a prescrição "médica" de dias e horas para a vivência de um "laboratório de experimentações" que poderá nos tornar mais humanos?

A solidão imposta pelo isolamento físico nos traz à memória a máxima socrática "Conhece-te a ti mesmo": mergulhe dentro de si mesmo, conheça suas forças e suas fraquezas, jogue luz onde há sombras; reveja seus passos e avalie todos as suas ações e reações que fizeram com que chegasse no lugar onde se encontra. Onde você estava e não está mais quando tudo "parou"? O que estava fazendo e não terminou de fazer? O que deseja fazer e agora não é possível fazer e quem sabe, a partir de agora será impossível ou mesmo "sem sentido" fazer? 

Vejamos por uma perspectiva positiva: o presente nunca foi tão pleno como o temos vivido. Quanta vida já vivida sem "sentir" o tempo, sem sentir as horas... Ainda que cause angústia em muitos, viver as horas, os minutos e os segundos do despertar ao adormecer faz deste "laboratório" uma experimentação da nossa humanidade, tornando-nos mais próximos de nós mesmos. Não encontramos nem igrejas, nem estádios e nem shoppings abertos para nos salvar, distrair ou mesmo preencher nossa "sede" de alguma coisa.

Temos sede e fome: o isolamento evidenciou nossas "faltas". Sede de afeto, atenção e cuidado. Fome de amor, arte e segurança. Sextas e segundas-feiras nunca foram tão semelhantes. "Sextou" deixou de ser proclamado por todos aqueles que ao final de uma semana de muito trabalho buscam momentos de lazer e relaxamento. Lemos mais livros, passamos mais tempo navegando na internet, mas sentimos falta da sala de aula, do escritório, do café no intervalo com os colegas de trabalho ou da escola e da faculdade. Fazem-nos falta: o abraço dos avós, o olhar misericordioso dos nossos amigos e a muitos, as cerimônias que nos conectam ou nos tornam mais íntimos de Deus ou do que cada qual entende como sagrado.

Descobrimos que um "aglomerado de pessoas" na maioria das vezes não corresponde ao que denominamos de "família" e que nem toda casa ou lugar pode ser classificado como "lar". A panela vazia, o banheiro sujo e a sala preenchida constantemente por pessoas podem nos fazer questionar "no quê" nos tornamos; conhecidos ou desconhecidos uns para os outros? Tornamo-nos escravos ou escravizamos? Tornamo-nos irmãos? Enquanto alguns se acostumaram a ser servidos, notamos que outros se habituaram a servir. Eis o momento da experimentação que consiste em abandonar os postos "preestabelecidos" e participar do "fazer" doméstico: preparar nosso alimento, lavar a privada e a panela vazia, recolher o lixo; tarefas que certamente nos aproximam da nossa condição humana!

A "prescrição" para o período: respirar fundo, alimentar-se bem, tomar banho de sol, estabelecer horário para leituras, tarefas domésticas, sessões de cinema e "lives", tudo em casa. Muitas aprendizagens neste isolamento não devem ser esquecidas quando a livre circulação nos for novamente prescrita, e outras devem continuar sendo experimentadas posteriormente. Primeiro, precisamos nos conscientizar de que o olhar do outro nos resgata das sombras que o olhar viciado sobre nosso próprio ego produz, logo, "ser visto" já é uma maneira de receber luz, afeto, de existir (de ser com os outros), em outras palavras, podemos dizer que o olhar do outro e sobretudo dos nossos amigos nos ilumina. Olhar de pai, mãe, avô e avó? Estes já nos fazem crescer e tornam o nosso futuro "bendito" (bem falado). Também não menos importante, deve-se ter sempre em mente que cuidar de alguém é tão bom quanto receber cuidados. Esquecemo-nos da "ética do cuidado". A corrida para o trabalho e para nossos lugares "seguros", seja dentro do carro escuro ou no ônibus com nossos fones no ouvido produziu uma sociedade de zumbis que precisam de anestesias para percorrerem todos os dias os mesmos trajetos. A ética do cuidado desperta o nosso olhar para o outro (desconhecido) que precisa de uma palavra, de um sorriso, de pão ou simplesmente, de ser escutado. 

A solidão é mestra: fazer compras não nos torna mais amados, nem reconhecidos. Mais tecnologia não faz de nós pessoas mais felizes e plenas. Roupas, jóias e móveis tornaram a casa mais vazia. Tempo de vida fora transformado em "bens". A partir de agora como você vai investir o seu "tempo de vida"? Mais trabalho? Mais horas na cama e nos corredores de shoppings? É o momento de restabelecer valores e de avaliar os "bancos" nos quais "depositamos" o nosso tempo de vida. Nossas maratonas precisam ser revisadas. Podemos correr menos. Ou um pouco mais quando é realmente necessário correr. Vamos pre(ocupar) menos e ocupar melhor as horas, os minutos e os segundos. Para quê investir tanto em coisas que nos aborrecem? 

Descobrimos com a solidão que "economizar" tempo de vida é "ganhar" mais tempo, significando talvez triplicar os nossos dias, as nossas horas. Muito trabalho pode significar mais dinheiro, mas pode esgotar também nossas horas, nosso tempo de vida. Se o ar se tornou o "símbolo" e a garantia de sobrevivência para todos nós sobretudo nesta pandemia, devemos pensar no que devemos fazer para que não nos falte ar precocemente neste tempo que temos pela frente. Investir o tempo de modo pleno é tomar posse das suas horas, dos seus dias e não delegar aos outros a escolha pelo que lhe faz feliz, pelo que o alimenta e preenche suas "faltas". Neste sentido, urge tornar-se "senhor de si" e saber que há espaços que não são preenchidos da mesma maneira para todos, que há mentes e corações que precisam de doses diferentes de alegria, diversão, amor e afeto. E há vazios que jamais serão preenchidos com coisas e entretenimentos. 

Constatamos que experimentar a máxima "conhece-te a ti mesmo" de fato equivale também a "conhecer o universo". Neste processo de autoconhecimento, compreendemos melhor o outro. Todos experimentamos o medo: de nos contaminar, de perder o trabalho, de perder quem amamos e de perder a própria vida. Sofremos as "faltas" e neste sofrimento, compartilhamos do sofrimento de todo ser humano. Esperamos não apenas sobreviver, mas viver melhor, e inequivocamente é o que todo ser humano espera. 

Se da experimentação com as coisas próximas, sejam elas as tarefas domésticas ou o preparo do seu alimento você aprende mais de si mesmo, da convivência honesta consigo mesmo ou com os outros no mesmo ambiente, você se aproxima de suas limitações e é intimado a reconciliar-se com seu passado e a transformar a sua casa em "lar". Tal experimentação com as coisas "próximas" e o processo de autoconhecimento nos ajudam a entender que na maioria dos casos, nossos pais nos fizeram o melhor que puderam, o melhor que tinham condições de fazer, e na maioria das vezes o melhor que sabiam fazer. E se você ainda convive com eles, os seus pais, aprenda isso o mais rápido no presente: os seus pais fazem o melhor que podem e em muitos casos o melhor que sabem fazer por você. 

Dessa maneira, a ordem para vivermos "confinados" ou "isolados" de modo físico e/ou social veio juntamente com um imperativo: o de que devemos desvelar, ou seja, retirar o véu que tampa nossos olhos e nos impede de crescermos emocionalmente como pessoas, como filhos e filhas, mães e pais, como irmãos. Sair do isolamento requer que passemos por testes e provas, pois em se tratando de um laboratório, precisamos avaliar nossas experimentações para saber se as horas e os dias vividos serão suficientes para alcançarmos um conceito "A" ou uma boa nota e termos condições de investir melhor o nosso tempo de vida. Se conseguirmos transformar nossas "casas" em "lares", onde há diferenças e respeito às diferenças, e principalmente, compreensão das nossas limitações e das limitações dos outros, sairemos melhores desse laboratório pelo menos com a média (nota).  


sábado, 27 de junho de 2015

Ética e os "Bobos da Corte" na Política Brasileira

Por Anderson Araújo
Espanto, terror, angústia e tristeza. É o que se sente diariamente lendo jornais, assistindo TV e acessando redes sociais. Tenta-se ver pelo lado positivo: "ah, as pessoas estão se expressando". Ou: "os jovens estão escrevendo mal, mas pelo menos escrevem". Entretanto, embora haja um acesso democrático a diversos tipos de informação, não há ética alguma na divulgação da informação.

Muitos profissionais e, principalmente alguns jornalistas, tratam o outro, o entrevistado, a vítima, o cidadão, como se fosse uma coisa, um objeto; o que assistimos a todo instante é a coisificação, a reificação do humano. Jô Soares foi execrado nas redes sociais por ter sido educado em sua entrevista com a presidente do Brasil. Artistas têm suas vidas constantemente vigiadas, suas intimidades sequestradas por câmeras e por falsos amigos. Além disso, tornou-se moda expressar que se tem "orgulho de ser hetero", ou "orgulho de ser gay". Sem falar na classificação, no mínimo "agressiva", que algumas pessoas insistem em atribuir às posições partidárias no Brasil.

Enquanto isso, nossos representantes políticos travam batalhas intensas sobre a maioridade penal e questões relativas à homofobia. E então, arma-se a tenda. E muitos da plateia "entram na briga" com os dedos no teclado ou na tela de seus celulares para destilarem o seu ódio! E quem ganha com isso? Nossos representantes políticos que mais uma vez conseguem desviar o foco da população. Brilhantes estrategistas. Sabem que o ser humano é atraído por questões afetivas, calorosas. Sabem que as pessoas se preocupam mais com aquilo que toca seus preconceitos, suas decepções, frustrações e sentimentos, do que com números e argumentações fundamentadas racionalmente. "Enquanto isso, nobre deputado, eles se esquecem do aumento da passagem, da reforma agrária e da reforma política". 

Sim, enquanto todos se "alfinetam" e se agridem com palavras e palavrões, nossos representantes políticos deixam de trabalhar com questões urgentes e que poderiam mudar o futuro do nosso país. 

Sim, temas como a homofobia e a maioridade penal devem ser discutidos, mas racionalmente, com respeito às pessoas e às diferenças. 

A homofobia é realidade. Há pessoas homofóbicas, com aversão a homossexuais, com ódio e raiva de homossexuais. Muitas chegam a agredir fisicamente homossexuais. De outro lado, temos também como realidade a prática de crimes por crianças e adolescentes. Temos relatos de pessoas que já foram agredidas, assaltadas por menores de 18 anos, e ainda mais chocante, temos notícias de crimes bárbaros que tiveram menores de 18 anos como autores ou coautores. 

Porém, há uma realidade que precisa ser debatida com mais urgência ainda. Nossas leis, quando punem, não o fazem exemplarmente. Nossas prisões, quando prendem, não são "restauradoras", não servem para reabilitar pessoas, pelo contrário, em grande medida são laboratórios ou "graduações" para criminosos. Logo, outras questões deveriam fazer parte da agenda política no momento atual, tais como: "o que o Brasil faz com seus criminosos?". "O que o Brasil deveria fazer com seus criminosos para que outras pessoas não sejam motivadas a cometer crimes?". Como "recuperar", e "de qual tipo de criminoso pode-se esperar uma recuperação?". 

As respostas para estas questões nos levariam também para soluções mais coerentes para a violência contra mulheres, negros, idosos e homossexuais. Sociologicamente, estes grupos são classificados como minorias sociais porque não têm seus direitos de cidadãos e seres humanos respeitados. Por isso temos os chamados "estatutos", leis e políticas públicas que foram criados para garantir que esses grupos sejam respeitados e tenham acesso a diversas coisas, como a universidades, por exemplo. 

Reduzir a maioridade penal num país que não "pune" exemplarmente seus maiores - definitivamente não é a solução. Reduzir a maioridade penal num país que não "restaura" a pessoa que cometeu um crime - definitivamente não é a solução. Enquanto não há punição rigorosa, há o aumento da sensação de impunidade na população. Enquanto não há "restauração" do criminoso, aumenta o ódio, a vontade de vingança, a insatisfação de se viver num país tão desigual, e, ao mesmo tempo, aumenta a vontade de levar vantagem, de ser "esperto". 

O criminoso é um ser humano. O cidadão é um ser humano. Idosos, mulheres, negros e homossexuais são seres humanos. O Jô Soares é um ser humano. A presidente do Brasil é um ser humano. As leis devem servir para promover a vida, com dignidade de todo e qualquer ser humano. Do mesmo modo, devem servir também para punir, "restaurando" todo ser humano. 

Quando o Estatuto da Criança e do Adolescente for respeitado e cumprido; quando adultos - maiores de 18 anos - forem realmente punidos pelos crimes que cometeram; quando todo tipo de crime contra a vida for exemplarmente julgado e punido; veremos que não será necessário nem reduzir a maioridade penal; nem criar leis para garantir que o direito de negros e homossexuais seja respeitado. 

Agressões verbais e físicas a homossexuais nos causam indignação. Assim como agressões verbais e promessas virtuais e reais de linchamento contra seres humanos. Parece que questões tão polêmicas e tão humanas têm servido tão somente para entreter a população, assim como os monarcas utilizavam os bobos da corte para divertir os súditos. Mas sempre foi deles mesmos que riam, quando riam do bobo. Será que somos obrigados a respeitar a agenda dos nossos representantes políticos ou deveríamos propor a agenda? Talvez seja a hora de devolver a piada e dizer que sabemos que é o nosso trabalho que constrói o país e sustenta nossos "servidores", nossos representantes que devem legislar e governar para todos, defendendo a vida e a justiça. Certamente, é o momento de propor a ética, o respeito a todo ser humano, independentemente de orientação sexual, de opção partidária e de religião.

Quem é o bobo da corte no cenário atual? Quais são os bobos da corte estrategicamente selecionados por alguns meios de comunicação e pelos principais atores políticos? Enquanto todos assistem aos espetáculos dos bobos da corte, o que fazem tantos outros políticos eleitos que, semelhantes aos monarcas, independentemente da situação econômica do nosso país, continuam ganhando seus salários milionários, continuam recebendo seus benefícios assustadoramente generosos?

Tais questões não pretendem disseminar o ódio ou a revolta contra pessoas ou grupos. São pontos de partida para reflexões sobre a alienação a que somos envolvidos no cotidiano. A partir da conscientização da real situação que vivemos, poderemos tomar decisões mais coerentes sobre a vida em sociedade, na convivência com os outros. Atitudes simples podem ser sinal do que chamamos de cidadania, a começar pelo uso ético das redes sociais. Antes de "compartilhar", veja se é verdade. Compartilhe ações afirmativas. Denuncie fatos verídicos. Leia mais de um jornal, recorra a opiniões diversas sobre um determinado tema para extrair uma conclusão. E, antes de dar a sua opinião, antes de dizer se é "contra" ou "a favor", não se esqueça de que você tem o direito de ter um tempo para pensar sobre o que acontece, e que muitas vezes, ainda não houve tempo suficiente e "informações" ou "provas" suficientes para você chegar a uma conclusão; muito menos para julgar ou incriminar alguém.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O que passou, calou. O que virá, dirá!

Por Anderson Araújo
(Para Eli Maria)
As escolhas que fizemos no passado influenciam o presente e influenciarão o nosso futuro. Assim como muitas escolhas que outros fizeram sem o nosso assentimento ou acontecimentos que não dependeram de nossa vontade. Há fatos que têm um tempo próprio para "chegarem" e também para "passarem", quer dizer, terminarem, morrerem! Neste sentido podemos exclamar: ainda bem que passaram, que acabaram!

De um lado, lamentamos pelas vivências prazerosas e alegres que "passam" rapidamente. De outro, torcemos para que eventos "negativos" ou infelizes "passem" depressa. Assim, o que poderíamos denominar de "perfeição dos eventos", consiste nesta característica que é também própria da vida: cada coisa tem um tempo certo, um tempo "oportuno" para acontecer.

Certamente, é sinal de sabedoria conscientizar-se de que algumas coisas, eventos e até relacionamentos, morreram, passaram! A postura inversa seria continuar acreditando que certas coisas continuam existindo, e pior, insistir para que pessoas que se relacionaram conosco em outros momentos no passado tenham as mesmas atitudes e compartilhem conosco das mesmas ideias. Esquecemo-nos de que mudamos, assim como nossos amigos e as pessoas ao nosso redor. 

Enquanto conscientizar-se do "fim" ou das "mudanças" é sinal de sabedoria, a incapacidade de perceber que as coisas "passaram", produz sofrimento. Não há mais cumplicidade, não há mais palavras, não há mais "comunhão", não há mais amor. Sofre tanto aquele que insiste em vivenciar o mesmo sentimento, quanto o outro que é obrigado a expressar um sentimento que já não possui mais.

Há eventos que nos fizeram sofrer, chorar. Se já choramos e sofremos, resta-nos abandoná-los lá no passado. Se ainda continuam "falando" conosco e nos "provocando", precisamos "calá-los", pois o que passou, calou! Logo, se o que passou, ainda não calou, certamente continuarei ouvindo "vozes" e "fantasmas", chorando por algo que já tinha me causado sofrimento no passado. Estes "fantasmas" vão se tornando um peso desnecessário em nossas costas, contribuindo tão somente para um atraso em nossos projetos e sonhos. 

Os compositores Carlinhos Brown e Marisa Monte deram o título "Pra ser sincero" para a canção que traz os versos "e o que passou, calou. E o que virá, dirá". Podemos dizer que os que são sinceros têm a coragem de "calar" o que passou e são sensíveis para "escutar" o que virá no futuro. 

O que passou, precisa calar, pois somente assim poderá "vir" algo para "dizer" mais coisas em nossa vida, e para, principalmente, enriquecer a nossa vida. Portanto, acontecimentos ruins e também nossas vivências felizes precisam "silenciar" porque já "passaram". Situações de sofrimento ou de angústia devem ser lembradas somente para nos alertar sobre o risco de cometermos os mesmos erros; e os momentos felizes, estes devem ser lembrados com alegria, mas com sabedoria para refletir que foram e continuarão sendo importantes para nos motivarem a olhar para a frente, vivendo o presente, acreditando que o que virá, também dirá!

sábado, 4 de outubro de 2014

Eleições no Brasil: Terror e covardia ou Liberdade e coragem?

"Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo".
(Immanuel Kant)

Por Anderson Araújo
Muitos alunos e amigos me pediram para escrever um texto para manifestar o meu voto e fazer uma análise dos candidatos à presidência do Brasil. Alguns já sabem o nome que tem o meu apoio. E muitos sabem, principalmente, quem não tem o meu apoio.

Penso que muito mais importante do que defender uma argumentação, explicitando os feitos e fatos que me levaram a fazer a minha escolha, será provocar o meu leitor e a minha leitora a pensarem por conta própria, uma vez que esta seria a função de um filósofo ou pensador. 

O filósofo Immanuel Kant pode nos auxiliar neste texto. Para Kant, muitos se encontram no que ele chamou de "estado de menoridade". Estar nesta "situação" ou "estado" não é ter menos de 18 anos, mas se comportar como alguém que não tem condições de pensar por conta própria, que não tem capacidade de fazer o uso da razão. Logo, você se encontra neste "estado" de menoridade se você como eleitor não é capaz de fazer uso da sua própria razão para fazer suas escolhas. É cômodo deixar que as revistas, os jornais, a TV e as pesquisas de opinião pensem por você e conduzam o seu voto. Por isso, segundo Kant, quem está nesta "situação" não passa de um covarde ou preguiçoso.

De um lado, penso que há uma grande parcela de covardes por preguiça mesmo. E de outro, aqueles que não têm outra opção, não têm como ler outra revista, não têm acesso a outro tipo de informação ou a outro canal em sua TV; por isso este grupo que está fadado a ter um único ponto de vista acerca de tudo, pois não tem oportunidades ou opções, acaba se tornando vítima e não teria condições de se libertar da menoridade que se encontra, diferentemente daquela parcela preguiçosa, que não é vítima, mas covarde.

Quero, pois, pensar a respeito do que motiva a uma parcela de pessoas a disseminar, a divulgar o terror que vivemos na véspera das eleições e o que leva outras pessoas a acreditarem no terror.

Primeiramente, precisamos nos conscientizar de que o ser humano, sobretudo quando não tem como recorrer à ciência e à razão para resolver os seus problemas, acaba buscando explicações mitológicas e religiosas sobre o mundo. Neste aspecto, algumas pessoas que não têm competência e capacidade para conquistar o voto dos eleitores, começam a disseminar o terror, e junto com ele, as teorias conspiratórias. E aqui aparecem as pessoas que se encontram na situação de menoridade: apenas acreditam; não refletem, não pesquisam, não investigam. E pior: divulgam, compartilham o terror! Você já notou que quando o seu time perde um campeonato ou apenas um jogo, você tende a culpar a arbitragem, ou mesmo começa a acreditar que os jogadores venderam o resultado? 

Nós precisamos justificar a derrota, principalmente se ela tiver gerado em nós uma frustração. 

E numa eleição, quando está em jogo os meus interesses, o meu salário, o imposto de renda, o cargo que ocupo? Como as pessoas podem pensar diferente de mim? Como a maioria pode escolher X e não escolhe Y? Ah, aí surgem as teorias conspiratórias. Quando o seu candidato vence, a urna é segura, confiável. Agora, "paira no ar" a ideia de que há manipulação dos resultados das urnas. Quando o seu time vence, ele é o melhor, o jogo foi justo. Mas quando ele perde... Como justificar o fracasso e as opiniões contrárias às suas?

Você vai disseminar o terror por ser covarde ou por defender interesses próprios?

Notam-se também nestas eleições posições fundamentalistas. Muitos que criticam o fundamentalismo religioso que mata milhares de pessoas no mundo, acabam assumindo posições fundamentalistas na eleição. A pessoa que tem posição fundamentalista vê como o diabo todo aquele que se posiciona diferentemente dela, e não admite que o processo seja justo por tantas pessoas pensarem diferente dela.

Tenha a coragem de fazer o uso da sua razão e de se libertar da menoridade, para enfim, alcançar a maioridade. Ter coragem neste caso, é a capacidade de perceber o que manipula você, o que o seduz e o que "mascara" as verdadeiras intenções daqueles que desejam o seu voto. Faça a sua escolha, mesmo com riscos, mas assuma os riscos de ter pensado por conta própria. Porém, não se esqueça de que a sua escolha deveria ser feita pensando na REPÚBLICA, na "coisa pública", porque um presidente não governa apenas para um grupo ou para uma pessoa, mas para todos os cidadãos. Portanto, seria justo votar pensando em seu próprio benefício e deixar de pensar no benefício da sua nação, do seu país? Talvez você esteja num grupo que não possa ser favorecido diretamente caso determinado(a) candidato(a) vença. Você teria coragem de votar nele(a) pensando no bem-estar e na felicidade da nação?

Sendo assim, se quiser, divulgue o seu voto, o seu apoio a uma pessoa, mas racionalmente, equilibradamente, sem recorrer a teorias conspiratórias, sem disseminar o terror e o ódio. Apresente as propostas dele (a), dizendo por que é importante para o nosso país que ele (a) seja eleito (a). Não se precipite, reforçando a situação de menoridade que muitas pessoas se encontram. Tenha a coragem de buscar o esclarecimento e contribua para o esclarecimento dos outros, pois somente assim teremos uma nação melhor para todos e não apenas para alguns.

Se você pensa que o candidato que faz ataques pessoais ao invés de fazer propostas é o melhor candidato, você é livre para ser governado por alguém que você não sabe o que pretende fazer por você. Os debates para presidente demonstraram claramente isso. Tantos temas importantes para serem pensados e debatidos, entretanto, muitos preferiram o espetáculo. Lamentavelmente, quem se encontra na menoridade prefere o espetáculo porque precisa apenas assistir, enquanto que pensar por conta própria com a finalidade de compreender exige esforço, empenho e estudo.

Não penso que quem pensa diferentemente de mim representa o mal ou é covarde e estaria no estado de menoridade. Sou contra qualquer tipo de fundamentalismo, contra a política como espetáculo e defendo a democracia, ainda que, democraticamente, sejam eleitos aqueles que não escolhi. Meu julgamento é a respeito dos critérios que levam você a fazer a sua escolha. Se os seus critérios foram determinados a partir de uma lucidez e de investigação pessoal, fico feliz que você tenha chegado a um determinado candidato mesmo sendo diferente da opção que eu fiz. Porém, se a sua escolha estiver fundamentada na beleza do (a) candidato (a), nas teorias conspiratórias que favorecem apenas aqueles que querem o poder a todo custo; lamento caro leitor, você pode votar, mas ainda se encontra na situação de menoridade.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Professores e Alunos: Super-heróis ou Construtores do Conhecimento?

Por Anderson Araújo
(Para Eni Maria)
Quando comecei a lecionar me surpreendi com várias situações em sala de sala. Não é que hoje não me surpreenda mais, pelo contrário, continuo a me surpreender positivamente e negativamente. Certo dia, durante a aplicação de uma avaliação de filosofia, enquanto "passava" a lista para os alunos assinarem, notei alguns nomes diferentes ao fim da lista. Os nomes se destacavam principalmente pelo fato de serem nomes de super-heróis dos quadrinhos. 

Não vou discursar sobre o que eu "deveria" ter feito, ou o que outros professores teriam feito quanto ao gesto que de certa maneira demonstra "indisciplina" ou "descaso" dos alunos quanto à seriedade de um documento que é a lista de presença - é evidente que deixei isso claro! Apesar de tal gesto ter se manifestado apenas como "brincadeira" dos alunos, lembrei-me das crianças que, como nos ensina o filósofo Nietzsche, levam muito a sério suas brincadeiras. 

Denominar-se como super-herói significa dizer que se tem super-habilidades para lidar com determinadas situações, ou que há necessidade de super-habilidades para lidar com estas situações. Não basta "ser" humano para "ser" aluno, tem que "ser" super-herói. Tem que "ser" super-herói para estudar em escolas públicas, muitas delas pichadas, depredadas e frequentadas pelos invasores que veem nestas escolas uma oportunidade para comercializarem seus produtos e se socializarem. 

Por outro lado, será que é necessário ter super-habilidades para permanecer sentado durante um longo período para estudar, ler, interpretar, pensar, e deixar de lado o namoro, o computador, o futebol e o sofá de casa?

O assunto é complexo porque está em jogo a ressignificação de métodos de estudo, de teorias da educação que não acompanharam as mudanças tecnológicas e culturais, e neste caso cabe também perguntar: a educação deve acompanhar as mudanças tecnológicas? Em que sentido deve haver uma mudança na estrutura curricular, nos métodos de ensino e na estrutura física e material do ensino?

Se há necessidade de super-habilidades para "ser" aluno, vejo igualmente a necessidade de o professor "se tornar" um super-herói para "continuar fazendo o que faz" e, sobretudo, para acompanhar as mudanças, "se virar" para competir com o "twitter", o "facebook", o "youtube" e o "whatsApp".

Escolas "salvam" muitas crianças do tráfico, da morte precoce. Professores ainda carregam um grande significado para muitas crianças e jovens. Professores ainda são modelos para muitas crianças que veem neles, exemplos de pais, de trabalhadores e também de mestres.

Porém, enquanto há o crescimento da demanda por professores que devem "se virar" para competir com as redes sociais, para serem pais, psicólogos, pedagogos, educadores, assistentes sociais e desempenharem tantas outras funções além da construção do conhecimento, não há um crescimento da valorização desta função em nossa sociedade, sobretudo pelos nossos representantes políticos.

Acredito que os meios de comunicação e as redes sociais têm como principal função a de informar, compartilhar notícias, vídeos etc. Evidente que neste processo há também uma divulgação de conhecimento, ou talvez uma "construção" de conhecimento. Mas em geral o que notamos é um excesso de informação. Assim, encontramos na sala de aula, alunos que sabem falar sobre tudo, mas que não têm conhecimento sobre nada. Seus discursos não se sustentam, não conseguem manter um debate porque não leram um livro, não pesquisaram sobre o assunto, não "construíram" o conhecimento, porque receberam informações desenfreadas e irrefletidas através das "redes". 

Com isto, não estou desvalorizando a tecnologia, nem desprezando os instrumentos que muito nos ajudam a compartilhar o conhecimento. Como professor posso utilizar o twitter ou o google em sala de aula para uma pesquisa com meus alunos, e o youtube como fonte e ilustração a respeito de um tema, ou mesmo como complemento das aulas. O que quero enfatizar é a necessidade do professor, a importância do professor, daquele que estudou, se debruçou sobre livros, ideias, autores, teorias, enfim, daquele que se cultivou nas artes, na história e no conhecimento para poder construir, juntamente com seus alunos, o conhecimento. 

O computador é interessante: é fácil mudar de vídeo quando algo nos desagrada, ou trocar de música, ver uma foto ou outra, conversar com pessoas diferentes ao mesmo tempo enquanto vemos televisão. Mas ainda não inventaram algo melhor que o "ser" humano para "mediar" o conhecimento. Como "construir" o conhecimento com apenas alguns caracteres? Como "formar-se" apenas através de notícias de hora em hora comumente divulgadas pelas tv's e redes sociais? Você deseja apenas informar-se, ou também formar-se?

Se há uma desvalorização do professor por parte da nossa política, há também, na mesma medida, uma desvalorização do aluno e do estudante. 

Nesta história, percebo que não se pode intitular nem o professor, nem o aluno como super-herói. Ambos são vítimas de um sistema histórico que desvaloriza o "ser" humano. Precisamos disseminar a importância da construção do conhecimento, e não apenas da construção de coisas, mesmo porque esta última depende da primeira. 

Constata-se que professores e alunos são vítimas. Mas vítimas de quem? Seria fácil mergulhar num processo de vitimização, responsabilizando apenas nossos representantes políticos por isso. Cabe a cada pessoa conscientizar-se das suas escolhas, daquilo que cada um elege para si como prioridade. E, em que medida espera-se e há um desejo legítimo de libertação do oprimido, como escreveu o educador Paulo Freire. E, se o oprimido não se sabe oprimido, como libertá-lo desta opressão? Quem, melhor do que aqueles que ensinam a ler, a escrever, e a interpretar o mundo? 

(Marvel Comics)

sábado, 27 de julho de 2013

Sim, nós podemos!

Por Anderson Araújo
(Para Benjamim e Chico Pinheiro)
Sim, nós podemos: gritar "é campeão!"
Porque nosso grito nasce no peito preto e branco, incansável, a bombear o sangue alvinegro: o sangue de Dario, o sangue de Reinaldo!
Sim, nós podemos: cantar "vou festejar!"
Porque nossa festa é desmedida igual ao nosso amor pelo Atlético! 
Sem medida, sem cálculo do número de títulos, de vitórias ou de derrotas.
Porque nós somos atleticanos e isso basta!
Sim, nós podemos: amar o título de Campeão da América!
Porque não se trata de apenas mais um título, não se trata de matemática!
Trata-se de paixão! 
Sim, nós podemos: soltar fogos de hora em hora!
Porque o Galo canta quando quer, e anuncia com seu canto que é dia na América, e que o Sol brilha como nunca no Planeta Terra!
Sim, nós podemos: dizer que não torcemos para um time, mas apenas "somos atleticanos".
Porque ser atleticano é viver intensamente a paixão de ser alvinegro, de ser preto e branco!
Sim, nós podemos: gritar "galo doido"! Porque é comum denominar de "doido" aquele que vivencia suas emoções desmedidamente!
Sim, somente nós podemos: cantar "Somos Campeões do Gelo e da América"!
Porque somos uma nação que canta apesar do frio, com o frio; no gelo, na terra, que canta sempre: "Vencer, vencer, este é o nosso ideal"!
Sim, nós podemos: carregar no coração alvinegro:
a raça de Diego Tardelli, 
a inteligência de Ronaldinho, 
a santidade de Victor, 
o encantamento de Bernard, 
a artilharia de Jô, 
a bravura de Pierre, 
a audácia de Réver,
o grito de Leo Silva,
a força de Leandro Donizete,
a confiança de Guilherme,
a paixão de Luan,
a superação de Marcos Rocha,
a experiência de Gilberto Silva,
a competência de Kalil,
e a fé do Cuca.
Sim, nós podemos: nosso time é imortal!
Foto de Rodrigo Clemente/E.M


terça-feira, 25 de junho de 2013

A "energia política" dos protestos: coerências e incoerências

Por Anderson Araújo
No país do futebol, o brasileiro deixa o campo e vai às ruas! As manifestações começaram com o objetivo de reduzir a tarifa do transporte coletivo. Objetivo legítimo, manifesto pacífico também legítimo e, para nossa surpresa, objetivo alcançado! Está aí, exercício da democracia; se nossos representantes não nos representam, protestamos!

Entretanto, é hora de parar e pensar. É o momento de avaliar, analisar e decidir se estas manifestações devem continuar. Sim, a demanda é enorme: hospitais, saúde, melhoria do transporte público, a CORRUPÇÃO. Parece-me que as manifestações perderam o foco, viraram modismo, e o pior, deram espaço para oportunistas, pessoas que não lutam pelo país, mas tão somente pela sua carreira... política! Prova disso é o fato de tomarem um partido ou cargo político, mais especificamente, a presidenta da república como "bode expiatório". 

Um povo carente e cansado de ser enganado, continua sendo manipulado! A rima se justifica por alguns motivos: 

1) As manifestações começaram com um objetivo específico que foi alcançado. 
2) O ano de 2014 é um ano de eleições no Brasil, e não apenas de Copa do Mundo.
3) O brasileiro participa, de certo modo, do que em sociologia chamamos de mobilidade social, que seria a mudança de posição social do cidadão, ou pelo menos, o acesso a bens e serviços de qualidade que até então somente uma determinada classe de pessoas tinha.
4) A quem interessa a mobilidade social?
5) A quem não interessa a mobilidade social?
6) O governo federal criou novas universidades e aumentou consideravelmente o número de vagas nas universidades.
7) Facilitou o acesso do estudante de escola pública às universidades federais e particulares.
8) O governo federal anunciou que o pré-sal é do Brasil e que todo o dinheiro do pré-sal é para o brasileiro! (Nota-se que não se fala em privatização, ou permissão aos Estados Unidos da América para explorar o que é do brasileiro). Ah, fala-se em investir 100% dos royalties do petróleo na EDUCAÇÃO. 
9) A quem interessa ter todo este investimento na EDUCAÇÃO?
10) A quem NÃO interessa ter todo este investimento na EDUCAÇÃO?
11) As manifestações perderam o foco, os protestos são contra tudo!
12) As manifestações se intitulam apartidárias, sem influências de partidos. Você acredita nisso?

Entendo que todos os motivos supracitados merecem maiores esclarecimentos. Será que os protestos continuam coerentes? Nota-se que em nome da democracia, alguns grupos se tornam até antidemocráticos  ao pedirem o fim de partidos. Se não há partidos, há o quê? Ditadura! Há partidos porque há liberdade, liberdade para gostar de azul ou de branco, para apoiar o verde ou o vermelho, porque temos o direito de escolhermos quem vai nos representar.

As manifestações pacíficas conseguiram provocar a presidenta que prometeu não medir esforços para fazer o possível como presidenta para atender as solicitações das manifestações. Independentemente de partido político, somente o (a) Presidente da República não vai resolver o problema de todos os municípios, de todos os brasileiros. O Aécio não resolveria, Fernando Henrique Cardoso também não,  nem o Obama.

Não queremos a ditadura. Se você for às ruas para protestar, "investigue", se "informe" a respeito das pessoas que estão organizando o protesto. Veja se há um objetivo específico. As demandas são muitas, mas não resolveremos todos os problemas do país em algumas semanas de protestos. Alguns problemas são locais e os seus vereadores devem responder por isso, vá até eles. Assista às plenárias, as reuniões dos vereadores, dos deputados, investigue, proteste junto a eles no cotidiano. Estude. Leia. Pergunte. 

E o mais importante: não lute contra você mesmo nas ruas. Não lute contra os seus direitos. Não utilize a violência. Não negue a sua identidade. Vamos protestar, mas com consciência, sem ser usado por pessoas que sempre estiveram no poder, que sempre usufruíram dos benefícios do poder e hoje se incomodam com a mobilidade social, que hoje se incomodam ao verem o acesso do pobre às universidades federais, aos aeroportos, à cultura e a bens e a serviços que antes era restrito a um grupo "seleto" de pessoas. É fato que demandas consideradas essenciais ainda não são atendidas, como as da saúde. Mas o governo já foi "provocado" e passa a agir em caráter emergencial para resolver estas demandas.

Vamos aproveitar esta "energia política" para analisarmos, estudarmos, para continuarmos no exercício da democracia mais conscientemente, sobretudo através do voto. Aprendemos que o protesto pode nos garantir alguns direitos.  Mas não o protesto contra tudo e contra todos. Aprendemos que protestar contra tudo é o mesmo que protestar contra nada. Certamente, nossos direitos serão mais respeitados quando aprendermos a votar. Seguir a moda, simplesmente para "estar na moda" é o que o poeta Carlos Drummond dizia "é duro estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade" e pior, você acaba sendo marionete nas mãos de uma "marca", quer dizer, de um "partido".

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protestos no Brasil, o "início de alguma coisa"

Por Anderson Araújo

Há cerca de 15 dias escrevi o texto "imaginações constrangedoras". Naquele texto, quis desabafar a minha angústia de assistir a uma realidade, no mínimo 'estranha', uma "Copa padrão FIFA" num país rico, com hospitais e escolas de padrão MISERÁVEL. De fato me sentia constrangido por não encontrar motivos para participar da "festa", quer dizer, da Copa das Confederações. No texto eu ainda destacava o "lado" positivo desta "festa": despertar o brasileiro, mostrar ao brasileiro que não somos pobres, mas mal representados!

Percebo com alegria que algumas das minhas imaginações deixaram de ser constrangedoras e tomaram as ruas através de cartazes, vozes, músicas e pés de milhares de brasileiros. Percebo com alegria que o brasileiro não se sentiu nem um pouco constrangido em ir às ruas e passar horas fora de casa, longe do facebook e do twitter, 'somente' para PROTESTAR! 

"Saímos do facebook" - são os dizeres de milhares de brasileiros, reproduzidos em cartazes e na pele dos filhos do Brasil que não fogem à luta! Por que fomos para as ruas? Porque cansamos de "assistir" a toda hipocrisia quase legalizada pelos nossos representantes políticos! Porque notamos que, se podemos construir estádios maravilhosos, também podemos construir escolas e hospitais. Porque percebemos que se podemos sediar uma Copa, também podemos melhorar o transporte público. Porque aprendemos com estádios "padrão FIFA" que o problema do Brasil não é falta de dinheiro!

"Saímos do twitter" porque nos engasgamos com uma Copa rica, entretanto doente e sem educação. Nossos olhares se deslumbraram com a beleza dos estádios, mas choraram com o descaso histórico dos representantes políticos com o brasileiro cansado de pagar impostos. 

Fomos às ruas porque não nos sentimos REPRESENTADOS, nem pelo partido X, nem pelo Y. Estamos nas ruas porque queremos realmente viver num país democrático, onde a voz da maioria seja ouvida, onde a  necessidade da maioria seja respeitada. Protestamos porque já não toleramos mais a impunidade, já não suportamos mais o "jeitinho brasileiro" comumente praticado pelos nossos políticos. Queremos divulgar para o mundo o "jeitão brasileiro": nossa arte, nossa natureza e nosso trabalho com honestidade e transparência! 

As ruas de todo o Brasil demonstraram nos últimos dias que necessitamos de muita coisa; que muitos ainda não sabem exatamente o que precisam, mas têm certeza de que "precisam", de que lhes faltam algo, e principalmente, merecem algo melhor do nosso país! Todos temos a certeza de que não queremos pessoas que legislem em benefício próprio! Os estádios "exalaram" um odor desagradável, provocando enjoos e vômitos pelas ruas do Brasil...

Não sabemos o que tudo isso provocará no futuro do nosso país, e qual a verdadeira dimensão desses manifestos, mas parafraseando o filósofo Deleuze, eu diria que o que conta é que estamos no início de alguma coisa!

(Fernando Birri citado por Eduardo Galeano)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Imaginações Constrangedoras

Por Anderson Araújo
(Para Guilherme Colombini  e Wanessa Lima)
Há meses pretendo escrever sobre o que penso em relação ao Brasil nas vésperas da Copa das Confederações, sobre este Brasil que se prepara para sediar uma Copa do Mundo. Não gostaria de ser desagradável, pessimista, alguém que não consegue perceber "o lado bom" das coisas. Sempre tento dar um novo significado às coisas que me aparecem como "feias", "tristes", "negativas", postura que aprendi lendo o filósofo Nietzsche.

Todo mundo já deve ter pronunciado a frase "imagina na Copa?" alguma vez nos últimos meses. Principalmente em conversas sobre trânsito, filas, comércio, hospedagens, e agora sobre os estádios, quer dizer, ARENAS "padrão FIFA". 

Perdoem-me, mas quem não se "impactou" ou não se sentiu "incomodado" com o valor gasto nas obras dos estádios, não tem consciência de como vivem ou sobrevivem milhões de brasileiros. Dinheiro público investido em "arenas". Sim, há melhorias que veremos a médio ou longo prazo, como algumas modificações no trânsito, implantação de "BRT" etc, mas pouco significativas diante da carência do povo brasileiro. 

Continuo tentando ver o "lado bom", porém, até as entrevistas do técnico da Seleção Brasileira de Futebol, desde o anúncio da sua contratação conseguiram "atrapalhar" ainda mais a "festa", mostrando-se sempre mal-educado, ensinando com isso que um técnico, um chefe, um líder autoritário, não pode ser questionado, não aceita opiniões e que, independentemente dos resultados, vai se manter no "cargo". 

As propagandas tentam constranger todos os críticos desse evento que o Brasil vai sediar. Elas sugerem que pessoas que perguntam "imagina na Copa?" são pessimistas, "gente" que não gosta de festa. 

Imagina a festa dos grandes empresários, dos nossos representantes políticos e das empresas que financiam o espetáculo; imagina a festa das empresas que já administram estádios "padrão FIFA" reformados e construídos com dinheiro público... 

Que festa vai fazer o trabalhador que, após um longo dia de trabalho, continuará enfrentando um trânsito desumano na volta para casa? A verdadeira questão deveria ser: "Quem terá condições de participar dessa 'festa' que vem sendo planejada com tanto empenho pelos nossos representantes políticos e pelas empresas?"

Nesta minha tentativa de abordar o assunto sem ser constrangido pelas propagandas que me impedem de ser pessimista em relação à "festa", consegui dar um novo significado e ver o "lado bom" desse evento. Notei que todas os preparativos para a "festa", inauguração de estádios, e obras que se estenderão até 2014, servem para "impactar", ou em outras palavras, "acordar" todos aqueles que ainda não perceberam a capacidade que o Brasil tem de ser um país melhor. Indiscutivelmente o Brasil tem muita gente com disposição para trabalhar, construir, ajudar, e de melhorar a situação do seu próprio país e tem hoje, ao contrário de muitos países que vivem uma enorme crise financeira, dinheiro e investimento de grandes empresas!

Imagina se os nossos governantes se esforçassem para reformar e construir, creches, escolas e hospitais? Imagina a festa!

Imagina se fossem criadas várias equipes e comissões para investigarem efetivamente o funcionamento das nossas escolas e dos nossos hospitais? Imagina a festa!

Imagina se o Estado fizesse uma parceria com as empresas para construir escolas e hospitais? Imagina a festa!

Imagina se nós, brasileiros, tivéssemos realmente um espírito nacionalista e fizéssemos reivindicações pela saúde e pela educação aos representantes que elegemos? Imagina a festa!

Imagina se nós tivéssemos tanto interesse pelo desempenho dos nossos representantes políticos igual ao que temos pelo desempenho da Seleção Brasileira de Futebol? Imagina a festa!

Imagina se milhares de brasileiros deixassem de sofrer e de morrer nas filas de hospitais? Imagina a festa!

Imagina se você tivesse uma escola pública de qualidade que lhe capacitasse para entrar numa Universidade Federal sem ser necessária uma política de cotas? Imagina a festa!

Imagina se os impostos que o brasileiro paga todos os dias se transformassem em serviços gratuitos de qualidade para o brasileiro? Imagina a festa!

Constrangimento é imaginar que só poderemos fazer a festa no período da Copa do Mundo!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Humanidade na Renúncia do Papa

Por Anderson Araújo
A renúncia do Papa Bento XVI pegou não apenas o "povo" de surpresa, mas também a Igreja Católica no mundo inteiro. A infalibilidade papal pode significar outras coisas no âmbito político e religioso, mas para mim tem mais a ver com humanidade. Independentemente dos motivos que levaram Bento XVI a renunciar, e independentemente de você ser católico ou não, e de o Papa significar alguma coisa pra você, certamente este "evento" tem muito a nos dizer. 

Como líder religioso, influencia, embora com menos intensidade do que no passado, mesmo países e povos que não são considerados católicos. O Papa, sobretudo a partir de João Paulo II, passou a ser um "mediador" não somente entre os homens e Deus, mas principalmente um mediador de conflitos entre os homens, função que João Paulo II tentou desempenhar em alguns momentos. 

De um lado esta renúncia provoca nas pessoas, mesmo naquelas que não são católicas, uma sensação de desamparo, desolação! "Um líder renunciar?" Ou, em outras palavras, "desistir"? As pessoas não se cansam de procurar em seus líderes religiosos, consolo, setas, ou caminhos que levem-nas a encontrar a paz, o consolo e até mesmo a salvação da alma. 

De outro lado, a declaração de Bento XVI me soa bastante humana, demasiada humana. É como se ele dissesse: "sou homem, humano, falível, ao contrário do que boa parte das pessoas pensam". "Tenho medo, também fico doente". "Envelheço". "Sinto-me fraco também na velhice". E talvez Bento XVI pretenderia dizer também que: "me sinto só", "me sinto algumas vezes desolado, sem Deus". 

Sua renúncia, Bento XVI, poderia significar não apenas discordância entre o senhor e os membros da Igreja, o que seria apenas uma discordância política, teológica e ideológica. Poderia significar também: "Cansei, não dou conta mais, é muita violência, é muita desumanidade, é muito egoísmo no mundo, não dou conta mais de 'representar' aquele que daria conta de carregar tudo isso". 

Para mim, volto a dizer, independente das causas que motivaram esta decisão, a voz de Bento XVI significa a voz dos excluídos, dos miseráveis, daqueles que sofrem, que imploram por ajuda, e mesmo das pessoas que têm tudo, bens materiais, emprego, sucesso, carreira, mas não têm amor, não se sentem amadas, enfim, que diversas vezes têm vontade de dizer: "não dou conta mais". "Cansei". "Sou humano". 

Muitos líderes, religiosos, chefes, pais de família e muita gente que ocupa posições de destaque, ou cargos de responsabilidade e de "poder" já tiveram e terão vontade de renunciar. Ter esta vontade ou realizá-la me soa muito humano. Talvez um dos muitos ensinamentos que este evento a princípio nos traz é este: somos falíveis, somos humanos, amamos, sonhamos, conquistamos, trabalhamos, lutamos, e queremos o melhor para o mundo e para nós, mas também cansamos, sofremos, e "desistimos". E isso não prova que você não esteja preparado para liderar, mas que você entende de gente, entende de humanidade.